quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Protucta Orgósmico

Imagine um corpo. De qualquer cor e formato. Pode ser o seu. Mas se você imaginar o seu, desapegue. Ele agora é só um corpo imaginado por esse texto. 

Esse corpo está de olhos fechados e em pé na sua frente. Observe a cabeça. Será que ela e o restante do corpo se dão bem? Ou será que a cabeça só ouve a amiguinha imaginária dela, a mente?

Os olhos se abrem. 

Calma, não precisa se assustar. A mente aparece até quando não é chamada. Ela é danadinha, mas tem seu lado bom: senso de humor, memória, inteligência, criatividade... Por isso a cabeça a inventou, estava um tédio viver só com sensações inominadas. 

Vale a pena sentir sem entender ou lembrar?

A mente fez a cabeça achar que não. 

Mas mente, como o próprio nome já diz, não é um poço de verdades. Gananciosa, medrosa, controladora. Ela manipula e engana para conseguir o que quer. Praticamente uma novela mexicana da Anatomia.

A culpa não é da cabeça, coitada. Teve de inventar a mente porque estava se sentindo sozinha... O resto do corpo fala, mas não tem senso de humor. 

A gente ri com a mente, o resto do corpo é assunto sério. 

Minha mente só é rápida para bobagens. Infelizmente nem tudo na vida é bobagem. Ela e meu coração estão em guerra. Meu coração é impaciente. Eu não entendo o que sinto. E eu sinto muito. Em todos os sentidos e sentimentos. 

Protucta Orgósmico. 

Porque quando a gente inventa palavras que não existem elas podem significar qualquer coisa.  


Lembrar de esquecer

lembrei dos erros que eu cometi
senti culpa

lembrei dos erros que eu ainda vou cometer
senti medo

lembrei dos erros dos outros
senti raiva

lembrei dos acertos dos outros
senti saudade

lembrei da vida antes da pandemia
senti que era feliz e não sabia

lembrei que não dá pra lembrar do futuro
senti ansiedade

lembrei que a gente só tem o presente
e senti que eu ando lembrando demais

Apegue e pague

eu vou me apegar
mais à calma que o seu sorriso me traz
do que à sua boca

eu vou me apegar
mais ao jeito que você me olha
do que aos seus olhos

eu vou me apegar
mais ao atrito da sua boca na minha
do que aos seus lábios

eu vou me apegar
mais às suas bolinhas de arrepio
do que à sua pele

eu vou me pegar
apaixonada por essa linha invisível que liga
um ponto
em algum lugar de mim a
um ponto
em algum lugar de você por onde
o amor passa
até cair


segunda-feira, 23 de março de 2020

Estou "on-line", logo existo?


Acordo e, ato reflexo, olho o celular. Nenhuma nova mensagem. Estranho. Termino de acordar, abro melhor os olhos. Sem sinal de internet. Reinicio o celular. Continua sem sinal. O problema deve ser no modem. Desconecto e conecto cabos, tiro e coloco na tomada, sinal ainda inexistente. Preciso chamar um técnico. Ligo no telefone que consta do modem e uma mensagem gravada me informa: “serviços de manutenção suspensos em decorrência da pandemia de coronavírus”. Aciono o 4G, sem sucesso.

Ligeiramente angustiada, tento encontrar uma internet sem senha nos arredores. Nada. Talvez algum vizinho possa ceder temporariamente seu sinal. Lembro que nunca falei com qualquer pessoa do meu bairro, mas não há limites sociais para uma mulher sozinha e sem internet na quarentena. Troco de roupa e saio. Aparentemente o medo de contaminação é irrelevante diante da tortura do “off-line”.

Ninguém na rua. Caminho até a casa mais próxima. O dia está bonito. Céu azul, passarinhos voando. Uma árvore florida me comove.

Toco a campainha do vizinho e lembro que esqueci o álcool em gel. Marco mentalmente o dedo que tocou a campainha, ele não poderá tocar mais nada até ser devidamente higienizado. Um rapaz abre a porta e me estende a mão. Cumprimento-o contrariando todos os protocolos mentais de cuidado. Simpatia perigosa com o único e exclusivo propósito de estar “on-line” novamente. Digo que sou uma pobre vizinha sozinha e sem internet na quarentena. Ele sorri e diz que o problema de sinal é generalizado. A quarentena sobrecarregou as torres de telefonia. Todos estão sem internet. Perplexa, coloco a mão sobre a boca. A mão que tocou a campainha, a mão que tocou a mão dele, mesma mão que agora tocou a minha boca. Sem agradecer, volto apressadamente pra casa.

Entro no chuveiro, lavo mãos e boca com muito sabão. Minha mente está em pânico. “Pelo menos tenho água e sabão”, penso enquanto tento praticar a gratidão que aprendi numa “live” do Instagram. Hoje não tem “live”, hoje não tem “stories”, hoje não tem chamada de vídeo. Também não posso fazer postagem reclamando do “off-line”. Gratidão é o caralho, quero internet.

Saio do banho e de mim. Não estou mais aqui. Ou será que estou mais aqui do que nunca, justamente por estar “off-line”? Existe vida em quarentena sem internet? Preciso conversar com alguém! Percebo que estou conversando comigo. Lembro que sou alguém. Ou pelo menos tento ser. Deixo a escrita desse texto de lado e vou bater uma siririca. É, Carol, “hoje somos só nós uma”.

C.S.S., tentando não surtar com a quarentena.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Pátria (mal)amada

será que político come?
será que político dorme?
será que político sonha?
quando olho pro nosso país 
me pego a pensar nos políticos
não podem ser humanos
ou são humanos demais

C.S.S., porque não desisto nunca. 

Mariposa

tinha uma mariposa 
no canto da cozinha tinha uma mariposa
pena não ser uma pedra
daria um bom poema



C.S.S., vendo uma mariposa de perto pela primeira vez. 

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Quando eu morrer...

bactérias comerão minha
carne
embebida de sangue
e vísceras

putrefeita,
serei apenas
ossos e
algumas cartilagens
duras

mas lá dentro
do tórax
sem coração
já apodrecido
com minhocas
moscas
formigas e
cupins

ainda te amarei

amostra de eternidade
que nem sempre é grátis
e pode ser sina
C.S.S.